“Você é os brinquedos que brincou, as gírias que
usava, você é os nervos a flor da pele no vestibular, os segredos que
guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é
o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que
viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você
lembra. Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito quase no
altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não
ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção
de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o
que você chora. Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo
que precisa, você é o pelo do braço que eriça, a sensibilidade que
grita, o carinho que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os
gritos destrancados da garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo,
a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda. Você é a raiva de não
ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo
pelo o que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que
tudo isso dá, você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a
indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, você é o
que você queima. Você é aquilo que reivindica, o que consegue gerar
através da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os
deveres que se obriga, você é a estrada por onde corre atrás,
serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia. Você não é só o
que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca,
traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê.”
—
Martha Medeiros.
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